quarta-feira, 6 de abril de 2011

Caso Clínico

Choque Cardiogênico por Dissulfiram

A intoxicação medicamentosa voluntária é um importante problema de saúde mundial, os pacientes podem se apresentar em coma ou com instabilidade hemodinâmica. Antidepressivos, benzodiazepínicos e organofosforados são os fármacos mais utilizados, em associação entre eles e com bebidas alcoólicas. Intoxicações voluntárias por dissulfiram são raras, mas a gravidade das complicações agudas exige que se saiba reconhecer os seus efeitos tóxicos.
A intoxicação medicamentosa por dissulfiram é uma situação rara, mas pode se apresentar com manifestações cardiovasculares graves e potencialmente fatais. É apresentado o caso de uma paciente com choque cardiogênico após intoxicação voluntária por dissulfiram. O dissulfiram, usado para o tratamento do alcoolismo, exerce sua ação quando há ingestão concomitante de álcool. Ele inibe de forma irreversível a enzima aldeído-desidrogenase responsável pela metabolização do etanol, com aumento da concentração sérica do metabólito acetaldeído, cuja toxicidade provoca a “síndrome do acetaldeído”.

Relato de caso:
Paciente do sexo feminino, 49 anos, com depressão maior e alcoolismo crônico. Admitida no Pronto-Socorro quatro horas após ingestão voluntária de 60 comprimidos de dissulfïram (15g), 16 comprimidos de clonazepam (8mg) e 6 comprimidos de maprotilina (450mg), associada ao consumo de álcool.
Do exame clínico, destacavam-se sonolência, taquipnéica e má perfusão periférica. Pressão arterial: 68 - 35 mmHg; frequência cardíaca: 105 bpm. Ausculta pulmonar com estertores bolhosos difusos. Dos resultados bioquímicos, salientava-se uma proteína C reativa elevada (PCR) - 31 mg/dl. A gasometria revelava hipoxemia grave (PaO2 66 mmHg, com FiO2 85%).
Foram iniciadas de imediato medidas de ressuscitação de volume e posteriormente dopamina. Apesar dessas medidas, a paciente manteve choque refratário e evoluiu com agravamento da dificuldade respiratória e dessaturação progressiva, exigindo intubação orotraqueal e início de ventilação mecânica, tendo sido admitida na UTI. O quadro foi inicialmente interpretado como choque misto - cardiogênico e séptico. Persistindo dúvidas relativas ao grau de comprometimento cardíaco, foi realizado ecocardiograma que mostrou prejuízo moderado da função sistólica do ventrículo esquerdo e hipocinésia global.
Nesse contexto, foi substituída dopamina por dobutamina e suspendido antibiótico nas primeiras 24h. Verificou-se, posteriormente, redução progressiva da PCR até normalização. Os marcadores cardíacos seriados e eletrocardiograma permaneceram normais e a paciente não apresentou perturbações da condução ou ritmo.
Verificou-se resolução do choque circulatório ao fim de 72 horas e melhoria dos parâmetros ventilatórios permitindo extubação no 4º dia. Já sem suporte de aminas, repetiu-se ecocardiograma, tendo-se verificado uma melhoria na função sistólica e regressão da hipocinésia global. A paciente manteve evolução favorável do ponto de vista cardiovascular, tendo tido alta da UTI acordada e colaborante, hemodinamicamente estável e sem sinais de insuficiência cardíaca.
          Após excluídas outras hipóteses, o quadro agudo de choque cardiogênico foi interpretado no contexto da intoxicação medicamentosa por dissulfiram. As manifestações da toxicidade aguda por dissulfiram resultam da potenciação da reação do acetaldeído, quando associada ao álcool, mas, sobretudo dos efeitos diretos do fármaco. A eficácia da dobutamina nunca foi suficientemente avaliada. Nessa paciente, a dobutamina mostrou ser uma alternativa eficaz. A dopamina parece ser a amina com menor eficácia na abordagem do choque provocado por este fármaco.


Referência:
RELATO DE CASO – CHOQUE CARDIOGÊNICO POR DISSULFIRAM. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/abc/v92n3/16.pdf> Acesso em: 05/04/2011.


FOTOS: SHUTTERSTOCK

Marcella Passoni

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